Racismo e saúde emocional: como empresas podem criar ambientes de segurança psicológica

25/10/2024

por Liz Cosmelli

Especialista em DEI e mestra em Análise de Políticas Internacionais com ênfase em gênero e raça


Entre as muitas lideranças que o Brasil poderia assumir, há uma que preocupa profundamente. Nosso país ocupa o primeiro lugar na América Latina em número de pessoas diagnosticadas com depressão na América Latina, uma posição alarmante que se agravou ainda mais com o impacto da pandemia.

Nos últimos anos, temos observado um aumento significativo nos casos de ansiedade, depressão e outros transtornos mentais em todas as gerações ao redor do mundo.

Cada vez mais, discutimos os fatores que afetam nossa saúde mental, como crises econômicas, mudanças climáticas, qualidade de vida, falta de segurança e dificuldades no acesso a serviços de saúde pública. Para as mulheres, a dupla jornada de trabalho agrava ainda mais a situação, com 7 em cada 10 diagnósticos de ansiedade e depressão sendo delas.

No entanto, há um recorte crucial que continua sendo pouco discutido: os impactos únicos que o racismo causa na saúde mental da população negra.

Construção da identidade da pessoa negra

"Não nascemos negros, nos tornamos à medida que conseguimos fazer uma leitura da nossa trajetória por meio das experiências de discriminação vividas." – Maria Lúcia da Silva, psicóloga e psicanalista do Instituto Amma Psique e Negritude

O racismo não é apenas uma questão social, ele afeta diretamente a saúde mental. A discriminação constante mina a autoconfiança e faz com que muitas pessoas negras sintam que não têm direito de ocupar determinados espaços ou seguir suas ambições. 

Isso gera um ciclo de sofrimento psíquico que impacta tanto a vida pessoal quanto a profissional. E aqui chamamos a atenção para duas formas que o racismo opera:

  • O racismo estrutural que permeia todas as esferas da sociedade, organizando as relações sociais e econômicas de maneira a perpetuar essas desigualdades.
  • E o racismo institucional, presente em empresas e universidades, por exemplo, que se manifesta na diferença de tratamento entre pessoas brancas e negras, criando barreiras invisíveis que limitam o acesso a oportunidades iguais.

Dessa forma, a construção da identidade da pessoa negra, onde o racismo se manifesta e é perpetuado por meio de estereótipos, preconceitos e discriminações, também molda o imaginário social. 

Ele se reproduz através da linguagem, das atitudes, da mídia, criando representações distorcidas da realidade. Isso impacta profundamente os sentimentos, distorce a percepção que as pessoas negras têm de si mesmas e dos outros, resultando em uma tensão emocional constante, além de ansiedade e depressão e, desvalorização da própria identidade.

Um problema com raça e gênero

Quando falamos do impacto do racismo na população negra, os dados evidenciam como estamos mais suscetíveis às vulnerabilidades da saúde emocional:

  • Insegurança financeira: 54% das mulheres negras estão insatisfeitas ou extremamente insatisfeitas com sua situação financeira, em comparação a 39% das mulheres brancas.
  • Violência e saúde mental: 70% das vítimas de mortes violentas no Brasil são mulheres negras. Elas são os principais alvos da violência doméstica, o que resulta em uma maior incidência de depressão, ansiedade, doenças psicossomáticas e sintomas físicos ligados à sobrecarga mental.
  • Vulnerabilidade econômica: De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz (2017), 62% dos lares chefiados por mães negras estão na extrema pobreza, ampliando sua vulnerabilidade social e emocional.
  • Jovens negros e saúde mental: Para os homens negros, o cenário é igualmente grave. Jovens negros têm 45% mais chance de desenvolver depressão em comparação aos jovens brancos, além de serem as principais vítimas de suicídio no país.

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A desigualdade racial no mercado de trabalho tem sido uma pauta cada vez mais presente nas empresas nos últimos anos, desde a exclusão em processos seletivos até a ausência de representatividade negra em cargos de liderança. Mas como essa realidade se conecta com a saúde mental das pessoas colaboradoras negras?

A comunidade negra enfrenta microagressões diárias no ambiente de trabalho, impactando não apenas em seu desenvolvimento profissional, mas no desenvolvimento de sérios problemas de saúde física e emocional a longo prazo. 

Estar em constante estado de alerta para provar seu valor é desgastante para todas as pessoas colaboradoras, mas para a população negra, essa pressão é ainda maior.

O papel das empresas: um ambiente psicologicamente seguro

  1. Educação contínua: Treinamentos sobre racismo, microagressões e preconceitos inconscientes devem ser parte da cultura organizacional de forma contínua, e não apenas como ações pontuais.
  2. Políticas de acolhimento: Empresas precisam oferecer suporte emocional para funcionários que enfrentam discriminação racial, com grupos de afinidade, redes de apoio e acesso a profissionais da saúde especializados.
  3. Revisão de processos internos: Processos de contratação, promoção e remuneração devem ser transparentes, garantindo que pessoas negras tenham oportunidades iguais para crescer dentro da organização.
  4. Diálogo aberto: As empresas devem criar canais seguros onde colaboradores negros possam discutir suas preocupações sobre racismo sem medo de serem punidos.

Liderança antirracista e inclusiva

Para que qualquer iniciativa de diversidade tenha sucesso, os líderes precisam se comprometer com o combate ao racismo. Isso significa ouvir as experiências das pessoas colaboradoras negras, reconhecer os preconceitos existentes e agir de forma ativa para criar espaços seguros e acolhedores.

Responsabilidade coletiva: criando ambientes mais saudáveis e inclusivos

Diante dessa realidade, o autocuidado se torna uma ferramenta fundamental de resistência e fortalecimento para a população negra. 

Estratégias como terapia com profissionais que entendam a questão racial, exercícios de afirmação positiva e redes de apoio são essenciais para a promoção de uma saúde emocional equilibrada.

O autocuidado também deve ser coletivo. Movimentos de fortalecimento comunitário e espaços seguros onde as pessoas negras possam compartilhar suas experiências são passos importantes para criar um futuro mais saudável.

Dentro do ambiente corporativo, essa discussão é essencial para a criação de uma cultura organizacional verdadeiramente inclusiva, onde precisamos reconhecer o peso que a discriminação racial impõe ao bem-estar mental e ao desenvolvimento profissional de pessoas negras.

Cabe reforçar que a responsabilidade de promover um ambiente seguro não é apenas sobre as pessoas negras, deve ser um movimento coletivo. 

A união entre Pessoas Aliadas Antirracistas e Pessoas Negras Empoderadas é fundamental para construirmos uma sociedade e empresas mais justas e fortalecidas.


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